1. Podemos dizer que Giancarlo Mecarelli e Paraty foi amor à primeira vista? De que forma aconteceu?
Em 1993, em uma de minhas viagens com minha companheira ao Brasil, percorremos pela primeira vez a Rodovia Rio-Santos. A nossa intenção era a de passar quatro dias na cidade de Paraty, na Pousada Coxixo, cuja proprietária era, naquela época, a grande atriz Maria Della Costa, seguindo, posteriormente até Santos. Naqueles quatro dias, acho que nasceu, sim, alguma coisa… (Tanto é que, 12 anos mais tarde, acabei vindo a morar em Paraty).
Exposição dos finalistas da Convocatória em Foco 2017 na quadra da Praça da Matriz
2. Você começou a trabalhar com publicidade e propaganda como ilustrador. Como aconteceu essa transição para a fotografia e de que forma essa experiência inicial em outra área foi importante para você com as fotos?
A primeira agência que trabalhei, como assistente e ilustrador, foi a Norton Propaganda, em 1964 (em São Paulo). Logo em seguida, passei para a Standard Propaganda, sempre como Assistente e Ilustrador. Segui, posteriormente, para a Alcântara Machado e estas mudanças de agências eram aceitas para que eu adquirisse mais experiência. Em cada mudança, acabávamos recebendo um salário melhor e, se o seu trabalho fosse bom, a agência o convidava oferecendo melhores retribuições. Bons tempos!
Todavia, em 1967, decidi por morar em Lisboa, onde iniciei na Direção de Arte e, por um certo período, fiz dupla com Antonio Torres, hoje um reconhecido escritor brasileiro. Um ano depois, decidi mudar-me para Milão, onde voltei a trabalhar como Ilustrador pois meu trabalho era muito requisitado. Era o tempo que para apresentar uma “campanha”, os layouts eram verdadeiras obras de arte. As técnicas que se usavam para "manchar um layout" (expressão que se usava), fazia a diferença. Em São Paulo, quando iniciei, existiam ilutradores excelentes, verdadeiros artistas, como: Noguchi, Arcelino, Wagner e outras grandes figuras.
A fotografia entra aqui, porque, na sequência de uma campanha aprovada, o Diretor de Arte escolhia o Fotógrafo adequado para realizar uma foto específica e assim, como Assistente, presenciei algumas vezes a realização dessas fotos cujo layout eu próprio havia desenhado (o que nem sempre era possível). Uma dessas vezes, aconteceu no estúdio de Otto Stupakoff, antes dele se mudar para Nova York, onde concorria, na época com nomes como os de Richard Avedon, Helmutt Newton, Irving Penn e outras feras da fotografia. Na Itália, como Diretor de Arte para uma campanha da BP - Brítish Petroleum, realizei trabalho com Oliviero Toscani. Realizamos também fotos com fotógrafos ingleses e que estavam em moda na época, graças ao filme Blow-Up de Michelangelo Antonioni (o filme lançou o mito do fotógrafo de moda). A produção era toda feita em Londres. Foram muitas e boas as experiências, junto a muito bons profissionais, observando e aprendendo sempre. Tudo isso aconteceu entre os meus 22 e 26 anos, quatro anos muito intensos.
Voltei a morar no Brasil em 1972, desta vez escolhendo o Rio de Janeiro onde permaneci até fevereiro de 1981. Como Diretor de Arte, trabalhei para importantes agências da época, como Esquire, DPZ e Denison e, antes de voltar a morar na Europa, em 1981, cheguei a montar um estúdio com um amigo fotógrafo, Levindo Carneiro. Foi um breve período e uma boa experiência. Porém, só em 1987, já em Milão, depois de passar alguns anos na Young & Rubican, é que decidi abandonar de vez a agência e passar a trabalhar com Fotógrafo e Diretor de Arte freelancer. Um dos meus clientes foi a revista de Comunicação e Marketing – Strategia, na qual planejei um novo visual e onde eu poderia realizar as fotos das capas. Foi daí que meu trabalho começou a ser notado e, com isso, acabei realizando capas para novas revistas, como L'Espresso, Panorama e L'Europeo e muitas outras. Mas, continuei trabalhando muito na realização de fotos para campanhas de publicidade.
PEF 2017, Palestra com Walter Firmo, auditório da Casa da Cultura
3. Como surgiu a ideia de criar o Paraty em Foco?
Em 2004, em uma viagem de volta ao Brasil a trabalho, com um amigo de longa data também Diretor de Arte, resolvemos ir para São Paulo pela Rio-Santos com intenção de passar dois dias em Paraty. Era julho e, na cidade, estavam montando a tenda para a segunda “FLIP”. Me perguntei: porque não um Festival de Fotografia nesta bela cidade? Eu havia recentemente lançado o livro “City Angels”, http://galeriazoom.com/exposicao/city-angels/, surgindo então a ideia de abrir a Galeria Zoom de Fotografia de Paraty: http://galeriazoom.com/ e a de realizar um Festival de Fotografias: https://www.pefparatyemfoco.com.br/. E aqui estamos a caminho da 14º edição. Como explicar isso???
4 – Agora em 2018 o festival já chega na 14ª edição. Quais os principais pontos que destaca para este sucesso do evento que é referência e está consolidado?
Estar à frente de um Festival, seja ele uma referência ou não, é um desafio e uma responsabilidade muito grande neste momento. Parte do sucesso se deve à cidade de Paraty com o seu charmoso “Centro Histórico”, onde a convivência entre convidados e público é inevitável, o clima que se instaura com exposições espalhadas pela cidade e outras manifestações fazem do PEF uma grande festa da Fotografia. Isso, acho eu, agrada muito ao público da fotografia. A programação obviamente tem seu peso. Agora com menos convidados, mas todos do mais alto nível profissional, acho que aí reside a diferença. Por último, contamos com a EQUIPEF, constituída de pessoas maravilhosas que trabalham em harmonia, sob o lema: “RESISTIR É PRECISO”!
5 – Quais elementos considera que não devem faltar em uma fotografia para considerá-la completa?
Para mim uma fotografia é completa quando transmite a emoção que o fotógrafo sentiu ao clicar aquela história. Sim, porque para mim, cada clique é uma história em um frame só. Isso vale para, retratos, paisagens, fotografia street, histórias que emocionam… Um exemplo? Vejam o resultado da Convocatória do ano passado em : https://www.pefparatyemfoco.com.br/premiados-2017. Foram muitos trabalhos pré-selecionados e você pode vê-los através dos links:
https: //paratyemfoco.wixsite.com/paraty2017/ensaios-2017
https://paratyemfoco.wixsite.com/paraty2017/fotos-unicas-2017
6- Beber de outras fontes (cinema, literatura, design, música...) é fundamental para uma boa fotografia. Quais suas principais referências nestas outras áreas e na fotografia?
A cultura visiva de um fotógrafo é fundamental. Cada um de nós é atraído, por histórias visuais, quadros, fotografias, cinema… Nestes dias, assisti a "Roda Gigante", filme de Woody Allen com fotografia de Vittorio Storaro. Cada frame é uma foto que poderia viver sozinha. Grande Maestro da Luz, aconselho assistir também e prestar atenção em cada cena. Nesta edição do Festival Internacional de Fotografia Paraty em Foco, um dos convidados é Walter Carvalho, grande fotógrafo que transita nestes dois meios. Ele, entre outras ações no PEF 2018, irá entrevistar Araquém Alcântara. Dá para imaginar a valiosa quantidade de informações adquiridas por todos aqueles que assistirem à essa palestra.
Quanto aos retratos, eu adoro fuçar nos "Ritratti del 600". (Basta procurar no Google). Aconselho ainda a apreciar as obras de Caravaggio, prestando atenção na luz das suas pinturas; É uma luz estudada, com cenas modernas. Ele era um fotógrafo com pincel. Por ser originalmente um ilustrador, sempre me interessei e estudei a pintura. Para minhas fotos do Donne Per Forza, muitas fotos foram resultantes de capas de revistas. Me fascinavam os trabalhos de Helmut Newton, Richard Avedon e de Irving Penn, este último, com seus retratos fantásticos. Acho que um fotógrafo tem que estar sempre “fuçando” e colher o que mais lhe atrai. Mais cultura, não só visiva, é óbvio, na hora do clique vai fazer a diferença. Com isso, não quero dizer que uma pessoa sem uma bagagem não possa ter sensibilidade e, também, realizar fotos excepcionais. Democratização da fotografia também é isso.
PEF 2017, palestra com Flávio Damm, mediador Pedro Karp Vasquez, auditório da Casa da Cultura
7 – Como analisa o momento atual da fotografia, principalmente no Brasil?
Acabei de voltar do primeiro Encontro dos Festivais de Fotografia do Brasil, em Fortaleza. Vinte e cinco festivais estavam presentes (de 10 Estados e 17 cidades). A produção fotográfica neste país é imensa. Muita boa fotografia está se fazendo e é bom tenhamos muitos eventos para lançar novos fotógrafos. As Convocatórias servem para isto. Claro que o mercado da fotografia, como eu o vivi, onde você construía um nome e as pessoas o convidava pelo teu estilo de trabalho, quase acabou nos dias atuais. Acho que este foi um privilégio que terminou. Hoje os novos talentosos fotógrafos tem a mídia nas mãos e sobressair-se no meio de tantas imagens não é fácil.
8 – Outros eventos de fotografia estão se disseminando por outras regiões do Brasil. Podemos considerar que o Paraty em Foco tem grande participação por ser pioneiro neste sentido de valorizar a fotografia?
Como disse, acabei de voltar do Encontro dos Festivais de Fotografia do Brasil, em Fortaleza e, repito, estavam presentes 25 Festivais. Todavia, alguns se denominam “Encontros de Fotografia”, como é o caso do “FotoRio”, por exemplo. O evento no formato “Festival”, com uma duração de 5 dias, realizado com encontros e palestras, exposições, projeções, leituras de portfólio, lançamento de livros e outras ações, creio que o pioneirismo coube ao PEF. Durante 8 anos tive como parceiro o Iatã Cannabrava, um excelente produtor cultural e não posso deixar de colocá-lo como um dos responsáveis do sucesso do PEF. Foi um bom “Maestro”.
9- Quem for ao festival este ano pela primeira vez o que irá encontrar? Fale um pouco do evento e das novidades.
Digamos, que essa pessoa também esteja visitando Paraty pela primeira vez. Se assim for, ela vai ter a agradável surpresa de estar em uma cidade mágica e nela estar acontecendo uma bela festa da Fotografia. Quanto às novidades do evento, elas vão ser disponibilizadas no nosso website. Aconselho a segui-lo em: https://www.pefparatyemfoco.com.br/
10 –Deixe uma mensagem para quem acompanhou a entrevista e também deseja viver da fotografia.
A fotografia é uma paixão! Temos que estar enamorados dessa arte… A fotografia continua sendo, para mim, magia onde os truques estão para serem desvendados em cada clique. Meu trabalho foi sempre em estúdio mas, agora com a facilidade de ter-se um bom aparelho fotográfico e que também serve como um telefone, me divirto em clicar cenas que me atraem (e que, algumas vezes, perco por não estar pronto). No meu Instagram gianmecameca, tenho várias destas fotos clicadas com um smartphone. A fotografia tem um papel fundamental no nosso dia-a-dia e na preservação da história. Neste momento em que bilhões de fotos estão sendo postadas, minuto a minuto, a fotografia virou linguagem e as pessoas se comunicam através dela.
Agora, viver da fotografia não está fácil, mas sempre existe um espaço. Todos querem ser jogador de futebol. Acho que, na fotografia, tanto quanto no futebol, o talento vai falar mais alto.
Boas fotos à todos e convido todos a participar da Convocatória PEF 2018!
Crédito/fotos: J.Nereu